segunda-feira, 29 de março de 2021

MUSAS E DIVAS DA LITERATURA INFANTOJUVENIL: SYLVIA ORTHOF (Ervilina e o Princês)

SYLVIA ORTHOF (Ervilina e o Princês)

MUSAS E DIVAS DA LITERATURA INFANTOJUVENIL - DE MARÇO À MAIO

Da série Mulhes Mithoí, neste período em que se tem abordado sobre o feminino estarei publicando de março a maio as principais obras de algumas de nossas autoras da Literatura Infantojuvenil, de poesias, contos, ilustrados e histórias (A primeira foi sobre Cecília Meireles. Te convido a acessar o post anterior).

 

A Autora e a Obra

Para Sylvia orthof:
Escrever para uma criança é ser adulto-criança no momento mágico da escrita ou da leitura.”

 

Filha do pintor Gerhard Orthof e da pintora e ceramista Gertrud Alice Goldberg, um casal de judeus austríacos, Sylvia Orthof formou-se nos seguintes cursos de mímica, desenho, pintura, arte dramática e teatro. Na área de dramaturgia infantil, trabalhou como autora de texto, diretora de espetáculos, pesquisadora e professora de teatro. Em 1971 a autora escreveu a sua primeira peça infantil “A Viagem da um barquinho” em que toda a sua família participou que em 1978 lhe garantiu o Prêmio Molière de teatro por esta mesma obra. Desde esse momento em diante Sylvia começou a sua carreira como escritora de livros para crianças de sucesso. Publicou seu primeiro livro infantil em 1981, escrevendo, a partir de então, cerca de 120 títulos para crianças e jovens, entre contos, peças teatrais e poesias.

 


 

Sylvia Orthof obteve vários prêmios e diversos dos seus livros foram ilustrados em parceria com seu segundo marido, Tato, seu filho Gê e por ela. Suas obras são conhecidas por serem críticas, irreverentes e divertidas.

 


 “(…) Hoje sou mais ontem
e me resvalo
em pensamento
e lembrança.
Virei criança
. (...)”
(Adeus em poesia – poema I, por sylvia orthof)

 

Em 1983 ela ganha o Prêmio Jabuti de Literatura da Câmara Brasileira do Livro, na categoria Literatura Infantil, pelo livro A Vaca Mimosa e a Mosca Zenilda. E em 1987 pela obra Ponto de Tecer Poesia ganha o Prêmio Odylo da Costa Filho, da FNLIJ.

 


Eu estou fazendo poesia

Como quem faz esta meia:

Poesia e meia,

Tecidas

Com pontos de tricô

E renda,

Pontos de lenda.

Faço aqui esta poesia,

Que teço, teço,

desfaço.,

Junto ponto de beijo

Com a malha

Deste

Abraço.

(Ponto de Tecer Poesia de Sylvia Orthof)

 

Da Princesa e a Ervilha para Ervilina e o Princês:

Neste post irei abordar sobre o Contexto Histórico, Função e Natureza Literária da Obra “Ervilina e o Princês (Ou Deu a Louca em Ervilina)” adaptado como uma paródia por Sylvia Orthof em 1986 a partir da obra clássica do conto de Hans Christian Andersen. A obra que ganhou uma reedição em 2009 pela Editora Projeto, cujo projeto gráfico recebeu as ilustrações de Laura Castillos, em que sua técnica utilizada foi por meio de dobraduras, recorte e colagem com papéis diversos e ainda pintados pela ilustradora.

Na obra publicada em 1986, autora articula elementos da cultura local com a europeia. Através das suas ilustrações e comentários, a autora nos conta uma história com adaptações do cenário do Brasil e alguns eventos ocorridos no ano de 1986, como por exemplo a passagem do cometa Haley e algumas mudanças político-sociais ocorridas na época. Além das questões relativas ao empoderamento da mulher, ao casamento, lutas de classes, etc. que são apontadas na narrativa de uma maneira bem sutil e sublime.

 


CAPA DA PRIMEIRA VERSÃO

(ELABORADO PELA PRÓPRIA AUTORA em 1986)

 

Na obra clássica de Hans Christian Andersen o título do conto se chama “A Princesa e a Ervilha” onde a história começa...: “Era uma vez um príncipe que queria casar com uma princesa, mas com uma princesa que fosse verdadeira.” E o príncipe que procurava alguém, onde se termina a história, ele se casando com uma verdadeira princesa que lhe aparece ao acaso e por se apresentar sensível. Tudo por causa de uma ervilha que lhe atrapalhou o sono. E o conto encerra assim: “O príncipe tomou-a, então, por esposa, pois tinha agora a certeza de ter encontrado uma princesa de verdade, e a ervilha foi colocada num museu, onde ainda pode ser vista, se ninguém a tirou de lá. Pois esta é também uma história verdadeira!”. O título da obra oferece ênfase entre a princesa incomodada com a ervilha.

No conto de Andersen, a história é de um príncipe deseja casar-se com uma verdadeira princesa. Ela sai a procura de candidatas pelo mundo, porém não a encontra. Ao regressar para casa, em uma noite de temporal para o castelo, aparece de repente uma jovem pedindo abrigo, que diz ser uma princesa verdadeira. A rainha, então fica desconfiada e coloca um grão de ervilha embaixo de muitos colchões e lençóis, para testá-la. Na manhã seguinte, a jovem reclama de não ter conseguido dormir, porque algo muito duro, embaixo do colchão, a incomodava, provocou-lhe dores nas costas e a deixou com hematomas. Assim, a princesa foi reconhecida como verdadeira e o príncipe a desposa, porque agora ele sabia que tinha encontrado uma “verdadeira princesa.”

 

Capa e Página do conto A Princesa e a Ervilha do livro Os Contos de Hans Christian Andersen, 2012

 

Na obra de Sylvia Orthof o título do conto se chama “Ervilina e o Princês” como uma paródia adaptada ao de Andersen. Os nomes dos protagonistas são mudados. O título da obra oferece ênfase na relação entre a “forasteira” e o príncipe. A história narrada por Sylvia começa assim: “Vou contar, cá do meu jeito, uma história muito antiga, muito feita de princesa, história de rei, de rainha, história toda encantada, melada de bruxa e fada, história tão encantada que resolvi aumentar.” Parte essa, que lembra repentes da cultura nordestina E encerra-se assim: “O princês ficou sem graça, detestou a tal história, chegou na sua janela, botou a língua de fora, disse um verso bem bonito, disse adeus e foi-se embora!”. A história se encerra de forma inusitada e imprevisível, pois à escolha da própria personagem (Ervilina), quem decide não efetivar compromisso com o tal do príncipe (Princês) pois esta já era comprometida com outro. Nota-se que há uma subversão do desfecho do conto de fadas original contado por Andersen no século XIX, quebrando um paradigma de um desfecho com enlace matrimonial.

Nesta esta estrofe: (...) disse um verso bem bonito, disse adeus e foi-se embora!”, percebe-se um elo entre a cultura popular na cantiga de roda “Ciranda, Cirandinha” e a literatura:

Ciranda, Cirandinha (Cantigas Populares)

Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar!
Vamos dar a meia volta
Volta e meia vamos dar.

O anel que tu me destes
Era vidro e se quebrou
O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou

Por isso, dona Rosa
Entre dentro desta roda
Diga um verso bem bonito
Diga adeus e vá se embora.

 

 

Versão mais recente da obra com ilustrações de Laura Castilhos. (Editora Projeto, 2009)

 

Quanto ao que a literatura nos oferece:

1) Categoria: Literatura Infanto-Juvenil

2) Gênero: Conto Infantil

3) Temporalidade e Transitoriedade: A primeira edição lançada em 1986 possui ilustrações com traços de rabiscos conforme o relatado pela própria autora. A narrativa segue uma configuração em que o conteúdo sofreu alguns ajustes e inovações. Rompendo com o clássico e apresentando um projeto gráfico.

4) Unidirecionalidade: Houve um diálogo da autora com o mundo infantil, relacionando as histórias populares aos temas presentes na narrativa contemporânea destinado às crianças de época. O modo de escrever, ou seja, obteve a sensibilidade para escolher estratégias ao transmitir, de modo que crie um narrador capaz de envolver o leitor do público infantil.

5) Assimetria: Há um conceito de adaptação presente, principalmente em suas frases. Não houve desigualdade na comunicação. A história é recontada por versos e ilustrações.

6) Traição: Quando lemos, encontramos a história contada e que foi constituída na relação com o viver folclórico, com o repertório local, seja ficcional, seja teórico, bem como nas nossas experiências de infâncias vividas. Constrói uma narrativa verbal e visual que instiga a imaginação e permite atitude responsiva do leitor.

7) Ilustração: Na versão de 1986 as ilustrações são feitas de lápis de cor preto e laranja assumindo um caráter narrativo através das imagens que foram criados por Sylvia Orthof. O texto visual da edição de 2009 privilegia a experiência estética pela escolha de cores fortes, contrastantes e pelas expressões marcantes das personagens se utilizando de técnicas de dobraduras, recorte e colagem. A nova ilustração atualiza visualmente o discurso da outrora, já que o texto verbal permanece atual e o mesmo, ao passo que o visual está vinculado a um passado período específico da história do Brasil.

  8) Ângulos de Adaptação: A escritora mescla elementos novos à história clássica-tradicional, que causam graça e surpresa ao leitor. Não há distâncias entre o emissor e o recebedor.

a)    Do Assunto: A história gira em torno das adaptações da autora, sem concepções de cunho moralista quebrando paradigmas da  época. Apenas permite a fruição da imaginação e do brincar com a linguagem. Os nomes dos protagonistas são alterados. O Príncipe não sai de casa em busca da sua princesa, mas ao contrário, são convocadas para aparecem candidatas ao “cargo” e que somente uma, seria aprovada através do “teste da ervilha”.

b) Da Forma: Visou o interesse do leitor infantil. Portanto, não há presença de linearidade de ação dos personagens que motivem a interpretação de quem o seja. Apenas ações que evitam trechos longos.  Presença do resgate infantil

c)     Do Estilo: A história é contata por versos e ilustrações numa atmosfera de ficção, que apresenta um vocabulário acessível adequadas ao domínio cognitivo do leitor com particularidades do estilo infantil com frases curtas. A autora brinca com as palavras usando rimas e palavras que combinam entre si. E convida o leitor a brincar com isso.

d)  Do Meio: Houve presença de ilustrações que auxiliaram no aspecto de recursos visuais que foram decisivos para acolher o texto e gerar uma grande atração pela obra. O texto de Andersen sofreu alterações, em que a autora privilegia o humor e a desconstrução da figura do príncipe (Princês) e a função da própria ervilha, que ganhou nome próprio da princesa (Ervilina). Houve modificações no seu projeto gráfico na parte ilustrativa ao longo da produção entre 1986 e 2009.

 

Referências:

ANDERSEN, Hans Christian. Os Contos. Portugal. 2012.

HUNT, Peter. Crítica, Teoria e Literatura Infantil. Tradução de Cid Knipel. São Paulo: Cosacnaify, 2010.

NEGRI, A. S.; RAMOS, F. B.; OLIVEIRA, L. G.  PARA CADA TEMPO, UM LEITOR1 Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.23, n.1, p. 371-389, Jan./jun.. 2015, Disponível em: http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index. Acesso em 04 de outubro de 2020.

ORTHOF, Sylvia. Ervilina e o Princês ou Deu a Louca em Ervilina. Porto Alegre: Editora Projeto, 2019.

RAMOS, Flávia Brocchetto; RELA, Eliana. A infância na narrativa infantil brasileira: de Mário a Raquel. Revista IBEROAMERICANA, disponível no linque https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/11152/7688

WIKIPÈDIA. Sylvia Orthof. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADlvia_Orthof . Acesso: 19 de março de 2021.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1987.