quarta-feira, 25 de julho de 2012

Brincar é mais que aprender

A brincadeira é uma experiência essencial, um modo de decidir como percorrer a própria vida com responsabilidade

Por Lino de Macedo
(Professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo)



Para as crianças, o brincar e o jogar são modos de aprender e se desenvolver. Não importa que não saibam disso. Ao fazer essas atividades, elas vivem experiências fundamentais. Daí porque se interessam em repeti-las e representá-las até criarem ou aceitarem regras que possibilitem compartilhar com colegas e brincar e jogar em espaços e tempos combinados.

Por que jogar e brincar pede a repetição? Esses desafios encantam pelo prazer funcional de sua realização. Mesmo que se cansem, as crianças querem (esperam) continuar jogando e brincando. Há um afeto perceptivo, ou seja, algo que agrada ao corpo e ao pensamento. Até o medo e a dor ficam suportáveis, interessantes, porque fazem sentido. Por isso, trata-se de uma experiência que pede repetição por tudo aquilo que representa ou mobiliza. Graças a isso, aprendemos a identificar informações ou qualidades nas coisas ou em nós mesmos - para reconhecer coisas agradáveis e desagradáveis e, assim, variar as experiências e combiná-las das mais variadas formas.

"Brincar é mais que aprender, é uma experiência essencial, um modo de decidir como percorrer a própria vida com responsabilidade" (Lino de Macedo )

Por que jogar e brincar são formas de representação? Uma das conseqüências maravilhosas, nesse contexto de repetir, variar, recombinar e inventar, é poder criar representações. Quando brincam de casinha, as crianças vivem a experiência de reconstruir o cotidiano e simbolizar a vida. Graças a isso, podem suportar ou compreender os tempos que a mãe, por exemplo, fica longe delas. Representar, mesmo num contexto de faz-de-conta, supõe envolvimento. O representado não está fisicamente aqui, mas simbolicamente sim. Envolver-se é relacionar-se com as coisas de muitos modos. E inventar situações mediadas por pensamentos e histórias construídos na brincadeira. É estar entre, fora, longe, perto, acima, abaixo, é construir simbolicamente um modo de imitar, jogar, sonhar, comunicar e falar com o mundo, inventando uma história nos limites das possibilidades e necessidades.

No primeiro ano de vida, a criança aprende a distinguir entre um sugar que alimenta (o seio) e um sugar que não alimenta (no vazio ou aplicado a um objeto). Graças a isso, pode continuar sugando pelo prazer. A partir do segundo ano, ela aprende a representar, a substituir as coisas pelos sons ou gestos que lhes correspondem. Mas, igualmente, aprende a usar as representações para simbolizar, isto é, recriar a seu modo as coisas e pessoas que lhe são caras. Aprende a jogar ou brincar com a realidade, para representá-la. No processo de desenvolvimento, essas transformações separam sua vida em antes e depois.

Por que jogar e brincar pede formas organizadas de expressão? Para repetir e fazer de conta basta uma pessoa. Mas, ao se desenvolver, a criança não quer só brincar de - ela quer brincar com. Jogos sempre foram experiências de troca. Daí a importância de estabelecer contratos, fixar limites de espaço e tempo, definir objetivos. Realizar um percurso é uma das brincadeiras preferidas das crianças. Mesmo que não saibam, elas estão representando e se preparando para repetir outro percurso que nos foi concedido ao nascer. Percorrer a vida é a tarefa, o problema ou o desejo de todos nós. Não escolhemos a vida, mas devemos escolher os modos de vivê-la. O caminho percorrido não volta. O caminho a percorrer deve ser decidido aqui e agora. Nos jogos, é possível repetir e criar regras, errar e começar de novo. Graças a isso, o outro percurso ganha sentido e passa a ser vivido com mais liberdade e responsabilidade.

Texto originalmente extraído da Revista NOVAESCOLA - LINK: http://revistaescola.abril.com.br/educacao-infantil/4-a-6-anos/brincar-mais-que-aprender-jogos-brincadeiras-aprendizagem-541594.shtml?utm_source=redesabril_fvc&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_novaescola
 

terça-feira, 24 de julho de 2012

Por que brincar é importante para as crianças pequenas

Estudos, pesquisas e livros são boas fontes não só para compreender a relevância do brincar como também para proporcioná-lo às crianças. Mergulhe fundo neles!

Por Bianca Bibiano

Ilustração Rogério Fernandes sobre fotografia de Omar Paixão

Brincar é importante para os pequenos e disso você tem certeza. Mas por quê? Sem essa resposta, fica difícil desenvolver um bom trabalho com as turmas de creche e de pré-escola, não é mesmo? Se essa inquietação faz parte do seu dia a dia, sinta-se convidado a estudar o tema. Ele rende pano para manga desde muito, muito tempo atrás. "Os primeiros questionamentos sobre o brincar não estavam relacionados a jogos, brinquedos e brincadeiras, mas focavam a cultura", diz Clélia Cortez, formadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo.

No fim do século 19, o psicólogo e filósofo francês Henri Wallon (1879-1962), o biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) e o psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934) buscavam compreender como os pequenos se relacionavam com o mundo e como produziam cultura. Até então, a concepção dominante era de que eles não faziam isso. "Investigando essa faceta do universo infantil, eles concluíram que boa parte da comunicação das crianças com o ambiente se dá por meio da brincadeira e que é dessa maneira que elas se expressam culturalmente", explica Clélia.
 

Wallon foi o primeiro a quebrar os paradigmas da época ao dizer que a aprendizagem não depende apenas do ensino de conteúdos: para que ela ocorra, são necessários afeto e movimento também. Ele afirmava que é preciso ficar atento aos interesses dos pequenos e deixá-los se deslocar livremente para que façam descobertas. Levando em conta que as escolas davam muita importância à inteligência e ao desempenho, propôs que considerassem o ser humano de modo integral. Isso significa introduzir na rotina atividades diversificadas, como jogos. Preocupado com o caráter utilitarista do ensino, Wallon pontuou que a diversão deve ter fins em si mesma, possibilitando às crianças o despertar de capacidades, como a articulação com os colegas, sem preocupações didáticas.

Já Piaget, focado no que os pequenos pensam sobre tempo, espaço e movimento, estudou como diferem as características do brincar de acordo com as faixas etárias. Ele descobriu que, enquanto os menores fazem descobertas com experimentações e atividades repetitivas, os maiores lidam com o desafio de compreender o outro e traçar regras comuns para as brincadeiras.

As pesquisas de Vygotsky apontaram que a produção de cultura depende de processos interpessoais. Ou seja, não cabe apenas ao desenvolvimento de um indivíduo, mas às relações dentro de um grupo. Por isso, destacou a importância do professor como mediador e responsável por ampliar o repertório cultural das crianças. Consciente de que elas se comunicam pelo brincar, Vygotsky considerou uma intervenção positiva a apresentação de novas brincadeiras e de instrumentos para enriquecê-las. Ele afirmava que um importante papel da escola é desenvolver a autonomia da turma. E, para ele, esse processo depende de intervenções que coloquem elementos desafiadores nas atividades, possibilitando aos pequenos desenvolver essa habilidade.